sexta-feira, janeiro 16, 2009

A insustentável leveza do ser [parte 1]

O eterno retorno é uma idéia misteriosa, e Nietzsche, com essa idéia, colocou muitos filósofos em dificuldade: pensar que um dia tudo vai se repetir tal como foi vivido e que essa repetição ainda vai se repetir indefinidamente! O que significa esse mito insensato?

O mito do eterno retorno nos diz, por negação, que a vida que vai desaparecer de uma vez por todas, e que não mais voltará, é semelhante a uma sombra, que ela é sem peso, que está morta desde hoje, e que, por mais atroz, mais bela, mais esplêndida que seja, essa beleza, esse horror, esse esplendor, não tem o menor sentido. Essa vida não deve ser considerada mais importante do que uma guerra entre duas nações, reinos, ou irmãos (como Israel e a Palestina atualmente), que não alterou em nada a face do mundo, embora muitas pessoas estão encontrando a morte através dessa fatídica guerra!

Será que esse hostilidade "fraterna" se modifica pelo fato de se repetir um número incalculável de vezes no eterno retorno?

Sim, certamente: ela se tornará um bloco que se forma e perdura, e sua tolice será sem remissão.
Se a Revolução Francesa devesse repetir-se eternamente, a historiografia francesa se mostraria menos orgulhosa de Robespierre. Mas, como ela trata de uma coisa que não voltará, os anos sangrentos não são mais que palavras, teorias (são mais leves que uma pluma, já não provocam medo). Existe uma enorme diferença entre um Robespierre que não aparece senão uma vez na história e um Robespierre que voltasse eternamente cortando a cabeça dos franceses.

Digamos, portanto, que a idéia do eterno retorno designa uma perspectiva na qual as coisas não parecem sem a circunstância atenuante de sua fugacidade.

Essa circunstância atenuante nos impede, com efeito, de pronunciar qualquer veredito. Como condenar o que é efêmero? As nuvens alaranjadas do crepúsculo douram todas as coisas com o encanto da nostalgia, inclusive a guilhotina.

Geralmente as fotografias, trazem-nos à memória um determinado período da nossa vida, que sabemos, não voltará mais, seja ela a infância, adolescência, juventude e por aí vai.

Essa reconciliação que fazemos com as fotografias, trai a perversão moral inerente a um mundo fundado essencialmente sobre a inexistência do retorno, pois nesse mundo tudo é perdoado por antecipação e tudo é, portanto, cinicamente perdido.

(Continua...)
Modifiquei o texto Original in: A Insustentável Leveza do Ser; Milan Kundera; Rio Gráfica-1986

5 Comenta aí po!:

Nobilíssimo Gêiser disse...

Belo texto. Aguardo pela segunda parte. Aproveitando o ensejo, convido-o para ser seguidor do meu blog. Será bem-vindo, mano Fab.

G.N.
> www.supravidasecular.com

Fabrício Sales disse...

Valeu Gustavo. Estarei postando logo.

Ayres. disse...

Que complexo...mas interessante.
Também vou esperar a segunda parte!
Finalmente te add nos favoritos!
=]

Fabiano Barreto disse...

"As nuvens alaranjadas do crepúsculo douram todas as coisas com o encanto da nostalgia, inclusive a guilhotina."

Ooooooh master!!!

I saw the light, again!!!!

Muuuuuuito bacana!!!

Fabrício Sales disse...

Valeu Amigo Fabiano!